segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O Bairro em que Coexistimos

O chamado da chuva é inevitável
Do meu quarto ouço tudo isso

Aquele Marlboro amassado não serve mais
Mas andando pelo bairro
Eu encontro seus rastros

Faz pouco tempo que você chegou
Mesmo estando aqui por muito tempo
E eu, que moro nessa casa desde que nasci
Nunca ousei sentir seu cheiro pelas ruas


O campo parece o mesmo
Nessas tardes chuvosas os moleques desaparecem
Mas consigo ver todos eles correndo
 Em minha cabeça

O rio, que é sujo desde sempre
Está transbordando
E eu, que já estou bem grande
Não posso fazer as pedras quicarem

Volto ao caminho passando por todas as lanchonetes
Umas são antigas, comia aqui com a família
Outras são mais novas, como aqui com amigos
As mesmas barraquinhas, as mesmas comidas de rua

Já encharcado, chego onde eu queria
Porta aberta, como de costume
E uma recepção carinhosa de um amigo canino
Sento na sombra da marquise, e posso acariciar o cachorro
Mas o olhar de seu dono me deixa nervoso

É claro que sou recebido com um café
Mas nenhum palavra é proferida
Consigo ver em sua expressão a dúvida
Aliás, quem é o louco que cruzaria o bairro nessa chuva?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Soneto de Arlequim

Te vejo ir com o carnaval
Trotando sem titubear
Por de trás dos foliões
Que trovejam em Santa Teresa

Vejo em ti a colombina
Que sem traje majestoso
Ainda traz em si
A essência deslumbrante

Pobre de mim
De te falar futilidades
Em tom de gracejo

Pobre de ti
De ter de ouvir
Os meus desejos

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Acelerado

A vida tem uma serenidade que eu não consigo ter
O ritmo acelerado do meu coração me faz perceber muitas coisas
Que eu não consigo nem entender.

Os livros amontoados na escrivaninha
Guardam tantas palavras, que por serem tão estáticas
Fazem com que meus olhos frenéticos passem direto
O Hamlet não consegue ver o fantasma do pai
Pois eu só quero saber é do terceiro ato

As roupas já não podem ser mais vestidas
Meu corpo, ardente pelo verão
Já dispensa cada muda de trapos
E só ousa se mostrar diante da nudez

A pornográfia reles, fraca, costumeira
Já não apraz meu ser
E só a violência sádica das casas de couro
Prendem minimamente meu líbido

O pior sintoma da ansiedade é esse
Estou livre de todas as coisas que são necessárias para viver
Meu corpo não tem mais espaço, meu  relógio não tem mais tempo
E minha cabeça abandonou a racionalidade
       ao longo dessa semana