domingo, 17 de julho de 2016

Nomenclatura

A experiência de viver o que não foi nomeado
é originalmente a liberdade mais plena que há


Quando os processos químicos que te dão frio na espinha
passam a agir de forma mais branda, juntando-se a várias sensações
você se dá conta de que isso não tem um nome


não é como ir a padaria durante a noite, e acabar sentindo frio
pois você sabe que aquela sensação térmica de baixa temperatura
tem certamente um nome, e um nome conhecido por todos


Agora, quando a ponta do seu dedo largo, encosta a superfície
do meu dedo flexível
fazendo com que
toda
  a
estru tura da realidade s e modi
f i q u e
eu vejo que não tem nome para isso


quando posso andar dois quilômetros em um lugar hostil
vendo só flores, malabaristas, carros em fileiras, sensação de vida
vejo que viver o não nomeado é a sensação mais gostosa do mundo
posso chamar a sensação de caminhar com alguém que gosto de “camor”
e isso é maravilhoso.


É bom descobrir essas coisas
ninguém diria que o desconhecido

faria a vida valer a pena

terça-feira, 7 de junho de 2016

Garoto Aluno

Os portões de ferro guardam garotos
O diretor guarda
O inspetor guarda
O bedel guarda
Os muros de pedra guardam garotos

Uma folha de papel assusta garotos
Um professor assusta
Um secretário assusta
Um coordenador assusta
Uma sala do SESOP assusta garotos

Os cantos escondem garotos
O beco esconde
O ônibus esconde
O complexo esconde
Os carros estacionados escondem garotos

Que um dia parem de guardar
Os garotos assustados
Que se escondem para beijar

quinta-feira, 21 de abril de 2016

Entre a Zona Oeste e a Zona Norte

Nunca fui
Mas já beijei
Não pego metrô
Para contemplar
A Tijuca


Curioso como dois lugares distantes
Que comportam muita gente
Tenham parido protagonists da aleatoriedade

O menino da Tijuca é fascinante
Como posso eu, morador de Campo Grande
Conhecer tal singularidade?

Acho que entre a zona oeste
E a zona norte
Existe uma linha conspiratória
Mas vou fingir que é o acaso

sábado, 26 de março de 2016

Já tive quem fosse chuva de veraneio
Que cruzasse o Brasil inteiro
Só parar dar um beijinho

Já vi quem fosse feliz só em fevereiro
Que rodasse o bloco inteiro
Só por um carinho

Já beijei adoradores de química
Aduladores de física
E amantes da poesia
Protagonizei beijos no Centro
Afagos em Engenho de Dentro
E Realengo não me escapou

Já fiquei com quem me amou
com quem foi e nem chorou
E com quem vem
Sem  nem notar

segunda-feira, 14 de março de 2016

Centro da Cidade

O centro continua cheio
Com calor ou com chuvisco
Centenas de cidadãos cruzam a Candelária

Alunos diversos, lojas bonitas
Nada mudou desde a última vez
Os prédios continuam gigantes
E as pessoas em correrias

Senti um impulso incontrolável
Queria ir ao museu
Passar na biblioteca
Comer aquele sanduíche
( entre a Vargas e a Floriano)

Mas já não assimilo a arte
Nem consigo mais ler
E perdi o gosto por frango teriyaki
No  fim de tudo ainda consigo me perder
Nas ruas que estou cansado de conhecer.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O Bairro em que Coexistimos

O chamado da chuva é inevitável
Do meu quarto ouço tudo isso

Aquele Marlboro amassado não serve mais
Mas andando pelo bairro
Eu encontro seus rastros

Faz pouco tempo que você chegou
Mesmo estando aqui por muito tempo
E eu, que moro nessa casa desde que nasci
Nunca ousei sentir seu cheiro pelas ruas


O campo parece o mesmo
Nessas tardes chuvosas os moleques desaparecem
Mas consigo ver todos eles correndo
 Em minha cabeça

O rio, que é sujo desde sempre
Está transbordando
E eu, que já estou bem grande
Não posso fazer as pedras quicarem

Volto ao caminho passando por todas as lanchonetes
Umas são antigas, comia aqui com a família
Outras são mais novas, como aqui com amigos
As mesmas barraquinhas, as mesmas comidas de rua

Já encharcado, chego onde eu queria
Porta aberta, como de costume
E uma recepção carinhosa de um amigo canino
Sento na sombra da marquise, e posso acariciar o cachorro
Mas o olhar de seu dono me deixa nervoso

É claro que sou recebido com um café
Mas nenhum palavra é proferida
Consigo ver em sua expressão a dúvida
Aliás, quem é o louco que cruzaria o bairro nessa chuva?

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Soneto de Arlequim

Te vejo ir com o carnaval
Trotando sem titubear
Por de trás dos foliões
Que trovejam em Santa Teresa

Vejo em ti a colombina
Que sem traje majestoso
Ainda traz em si
A essência deslumbrante

Pobre de mim
De te falar futilidades
Em tom de gracejo

Pobre de ti
De ter de ouvir
Os meus desejos

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Acelerado

A vida tem uma serenidade que eu não consigo ter
O ritmo acelerado do meu coração me faz perceber muitas coisas
Que eu não consigo nem entender.

Os livros amontoados na escrivaninha
Guardam tantas palavras, que por serem tão estáticas
Fazem com que meus olhos frenéticos passem direto
O Hamlet não consegue ver o fantasma do pai
Pois eu só quero saber é do terceiro ato

As roupas já não podem ser mais vestidas
Meu corpo, ardente pelo verão
Já dispensa cada muda de trapos
E só ousa se mostrar diante da nudez

A pornográfia reles, fraca, costumeira
Já não apraz meu ser
E só a violência sádica das casas de couro
Prendem minimamente meu líbido

O pior sintoma da ansiedade é esse
Estou livre de todas as coisas que são necessárias para viver
Meu corpo não tem mais espaço, meu  relógio não tem mais tempo
E minha cabeça abandonou a racionalidade
       ao longo dessa semana